Dominantes - UMA BATALHA ETERNA - CAP. 5  

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Capítulo 5: Teste de Paciência

Em sua não tão longa carreira como detetive, Marcos sempre soube que o único jeito de conseguir a autonomia e confiança que queria no departamento era controlando suas emoções...

Uma única vez ele perdeu realmente o controle... o suspeito não admitira nada no começo e, como todos, se dizia inocente. "eu nunca vi essa menina na minha vida" - gritou ele por muitas vezes. Porém, após Marcos começar a mostrar as provas circunstanciais que tinha, o assassino mordeu a isca e a coisa foi mudando de figura.

Mas a surpresa de Marcos foi que, ao invés de receber uma confissão arrependida ou simplesmente uma afirmativa fria, tudo o que o suspeito dizia começou a soar como um conto erótico macabro.

O maldito começou a narrar como se aproximou da garotinha - de doze anos recém completos - se gabando de cada frase que surtira encantamento na menina. Comentou como seus olhos brilhavam quando conversava com ele, e como foi fácil convencê-la a lhe visitar em sua casa depois da escola. Afirmou que ela queria aquilo, queria ser tocada, acariciada. Mas na hora ela se apavorou. Xingou ele, aos berros. Ele não podia ser rejeitado daquele jeito. Não por uma menininha.

Quando ele disse que ela mereceu ser morta, Marcos não se conteve. Voou por cima da mesa, pressionando suas mãos contra o pescoço do assassino. Empurrou-o até a parede, deixando o homem desnorteado, com os pés balançando, quase fora do chão. A nuca do estuprador se chocou com força contra a parede fria da sala de interrogatório. Mas Marcos não parou. Quando a cabeça do assassino encontrou a parede pela segunda vez, dois policiais que acompanhavam o interrogatório (que ficaram paralisados por um instante pela reação inédita de Marcos) pegaram-lhe pelos ombros e o ajudaram a se recompor.

Marcos estava irritado com o rumo que o interrogatório havia tomado, mas estava decidido a não demonstrar um pingo de irritação. O ideal seria tentar encerrar essa conversa do mesmo jeito que ela começou. Com os últimos absurdos que ouviu, o detetive tinha uma certeza: a conversa tinha terminado.

- Sr. Anthony, se o sr. se sente ameaçado, podemos providenciar proteção. Vou pedir para um de meus homens contatá-lo sobre o assunto assim que retornar. - disse

- EU NÃO PRECISO DE PROTEÇÃO - gritou Anthony Cale, apanhando uma das mãos de Marcos, enquanto o detetive já voltava sua atenção para a porta de saída. - Você não entende? Chegou a hora de revelar o segredo, Marcos! Mesmo que eu coloque mil seguranças. São todos meus funcionários. Ninguém acreditaria. Eu preciso de você, Marcos! - A tagarelice desesperada do presidente da Vobcom colocava uma pulga na orelha de Marcos. Não que ele acreditasse na conversa de maluco que estava ouvindo, mas ele estava cogitando a hipótese de que Anthony Cale realmente acreditava no que estava dizendo.

- Você tem credibilidade e capacidade para resolver esse crime, Marcos! Tudo o que eu estou pedindo é uma hora, no máximo duas! Eu lhe prometo: Se nada acontecer nessas duas horas, eu saio do seu caminho. - concluiu.

Marcos não soube o que responder. Melhor contrariar ou dar razão? Preferiu fingir que não ouviu.

- Se precisar de mais alguma coisa, Sr. Cale, pode me contatar, está bem?

- E a gravação? Você vai me dizer que ela também não vale nada? Você vai ignorar a evidência que lhe dei, detetive? - esbravejou Anthony

- Não, Sr. Cale. Eu não vou ignorar essa evidência. Vou apressar o máximo possível nossos procedimentos para que o senhor receba uma visita do promotor o quanto antes. Com a sua autorização formal, a gravação será utilizada. Agora eu preciso ir, se me permite... - disse, abrindo a porta que dava acesso ao escritório - O senhor me acompanha até o elevador ou me despeço daqui?

Anthony Cale deixou cair os ombros, franzindo o cenho de forma visivelmente derrotista.

- Não...não. Eu o acompanho - disse.

O presidente da Vobcom acompanhou em silêncio a saída de Marcos. Só se pronunciando após a entrada do detetive no elevador.

- Marcos, eu vou preparar uma armadilha para ele. Hoje, às sete da noite. Se você mudar de idéia, eu ainda conto com você...

-Tenha um bom dia, Sr. Cale - respondeu Marcos, em um tom de voz indiferente.

Enquanto dirigia, Marcos ainda se via surpreso com a eloqüência que o presidente da Vobcom mostrou enquanto declamava suas teorias sobrenaturais. “Ele é muito maluco. Meu Deus!”.

Após alguns minutos ouvindo rocks dos anos 60 e 70, o celular tocou. Era Cosme, o gentil e esguio detetive que sempre o auxiliava nos casos mais importantes. Cosme era realmente uma figura. Por mais calor que fizesse, não havia quem o convencesse a utilizar uma roupa mais “verão”. O terno nunca lhe abandonava, e a gravata (torta) de cores nada convencionais também lhe definia a personalidade.

- Fala Cosme, estou meio longe daí – disse Marcos

- Bom dia, Marcos. Eu não estou na delegacia. Estou indo para o laboratório. Como foi na Vobcom?

- Nem te conto! Uma perda de tempo total...

- Só liguei para te avisar que a Sra. Hewey veio aqui logo cedo. – disse o excêntrico detetive.

- Eu esperava chegar aí a tempo de falar com a mulher! – respondeu Marcos, acenando negativamente com a cabeça. - Você conversou com ela?

- Tudo bem. Nenhuma novidade, para variar. De relevante, só a afirmação dela de que o marido estava trabalhando demais nesse último ano. Quase não parava em casa, mesmo aos finais de semana. Porém, ela não percebeu nenhuma preocupação excessiva ou estresse no marido, no pouco tempo que passava em casa.

- Eu tinha esperança que ela pudesse ajudar um pouco mais. De qualquer forma obrigado, Cosme. Você vai acompanhar os exames da ossada do Hewey?

- Vou sim. Quero acompanhar pelo menos esse primeiro dia. O corpo chegou mais ou menos às oito da manhã no laboratório. O Ramiro acompanhou a remoção. Não teve jeito, viu? Algumas partes viraram pó.

- É. Eu já imaginava. Agora o jeito é esperar. Obrigado mesmo... Ah, Cosme, me faz um favor?

- Claro, Marcos. Do que você precisa?

- Eu preciso da presença da promotoria o quanto antes na sede da VobCom. Se possível ainda hoje. O Presidente da VobCom concordou em nos dar a autorização para usarmos uma gravação da sua caixa postal. A última ligação que Mason Hewey fez antes de morrer foi para ele.

- O Ramiro me falou dessa gravação hoje cedo. Pode deixar, Marcos. Eu resolvo essa burocracia e ele vai estar lá ainda hoje. Mas Marcos, sinceramente, o que você está pensando desse caso? - indagou Cosme.

- Eu te confesso que essa ligação da vítima me deixou mais perdido do que eu já estava, Cosme. Mas quero pensar melhor. Preciso dar uma volta para ver se me ocorre algo que posso estar deixando escapar...

- Esfria a cabeça, Marcos. Vai pensando daí, que a gente vai executando daqui... he he he - brincou Cosme.

- Então cuida de tudo por ai e me deixa pensar um pouco - respondeu Marcos, em tom de brincadeira, mas tentando parecer bravo.

Enquanto se afastava da parte mais movimentada do centro da cidade, percebeu que estava há poucas quadras de sua antiga casa. Na verdade a casa ainda lhe pertencia, por herança, mas eram muito raros os momentos em que Marcos visitava o velho sobrado onde foi criado.

A vitrine, que mais parecia de uma velha loja de antiguidades, contrastava com as letras pintadas na fachada: DETETIVE PARTICULAR. Esses sempre foram os três amores declarados de seu pai: Seu trabalho como investigador, seus relógios e seu jovem e esperto filho.

Quando Marcos abriu a porta, que ficava ao lado da vitrine, percebeu que alguns relógios (os mais modernos) ainda faziam seus tique-taques característicos. Um som que lhe trouxe um sorriso involuntário ao rosto, com a lembrança de tantos bons momentos que passou naquela casa.

O escritório de seu pai permanecia intocado. Empoeirado, mas intocado. Os sofás, já meio rasgados, onde as mulheres desconfiadas de seus maridos e os empresários que queriam descobrir segredos de seus sócios se sentavam, ainda lhe pareciam convidativos.

Marcos tirou o casaco e, pegando-o por uma das pontas, desferiu algumas “chicotadas” no sofá, a fim de remover o excesso de poeira. Vendo que o resultado havia sido satisfatório, se sentou pesadamente, permitindo que as costas forçassem o encosto, que instantaneamente lhe respondeu com um ranger característico.

Após alguns instantes de abstração, permitiu-se divagar um pouco no delírio defendido pelo presidente da VobCom. "É claro que não existe ninguém capaz de fazer aquele estrago em Mason Hewey usando a força do pensamento mas, e se pudesse existir alguém com essa capacidade? Por que aquele doido me quer como testemunha? Não seria melhor chamar uns dois ou três canais de televisão? Com certeza, com a grana que ele tem, eles viriam correndo!”.

"Idiota. O que eu estou fazendo? Meu mal é sono. Só pode ser”.– pensou Marcos, em represália ao seu momento de devaneio.

E Marcos realmente estava muito cansado. Com mais alguns minutos de pensamentos desordenados, o sono acabou por vencê-lo. As horas passaram como minutos, e o vibrar de seu telefone celular o fez despertar de forma alerta e até um pouco assustada. Ao apanhá-lo para atender a ligação, o detetive se surpreendeu com o adiantado da hora. Faltava pouco mais de 20 minutos para sete horas da noite. O número exibido no visor luminoso do aparelho era desconhecido. Por pouco tempo.

- Marcos... - disse o detetive, seguido de um bocejo abafado.

- Detetive, sou eu. Anthony Cale.

- Eu imaginava. Sr. Cale, Mas eu não tenho nenhuma novidade para lhe passar nesse momento. Assim que....

- Eu tenho uma novidade para você, detetive. Seu promotor está aqui. - A voz de Anthony Cale não parecia mais desesperada e aturdida. Pelo contrário. Agora ela soava confiante e tranqüila.

- Creio que já estejam tratando da liberação da gravação... - disse Marcos

- Na verdade já tratamos desse assunto, mas não é esse o motivo da minha ligação. Meus seguranças o estão mantendo cativo aqui, detetive. E a não ser que o Sr. venha ao nosso encontro, ele não será liberado.

- Deixe me ver se entendi, Sr. Cale. O senhor está mantendo um promotor público em cárcere?

- Exatamente. Me desculpe, detetive. Esse foi o único meio que encontrei de fazê-lo vir ao meu encontro novamente. E por favor, venha sozinho. Se vier acompanhado, não terá acesso ao meu andar de forma alguma. É um caso de fácil solução. Você vem até aqui e ambos irão embora pouco tempo depois. Quanto tempo você leva para chegar aqui?

- Eu ainda estou na capital, Sr. Cale. Preciso de no máximo meia hora para chegar aí. Não faça mais nenhuma besteira. Sr. Cale. Eu estou indo aí.

- Estamos te esperando, Marcos. Estamos te esperando!

Dominantes - UMA BATALHA ETERNA - CAP. 4  

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Capítulo 4: A breve história de Christopher Kenson

(Nota do autor: Os acontecimentos desse capítulo se passam na madrugada que precede a visita do detetive Marcos à sede da Vobcom)

A viagem à São Paulo foi rápida e tranqüila. Chris, como prefere ser chamado, já se encontrava (quase) conformado com o determinismo súbito que pôs fim a suas "férias". "Livre arbítrio, ela disse. Livre arbítrio uma ova! Agora esse povo não sai do meu pé!" - resmungou mentalmente. O único sinal visível de sua lamentação foi um leve bufar, fazendo com que sua discreta franja se elevasse, para em seguida voltar a posição original.

Como já eram quase três da madrugada, pode fazer algo que adorava: Comprar o jornal que seria comercializado na manhã seguinte. Saindo da revistaria, colocou-o junto de suas bagagens, pensando que seria melhor se hospedar por aquela noite em um hotel perto do aeroporto. Afinal, estava a menos de vinte minutos do local de trabalho do detetive - ao menos um dos papéis que trazia lhe indicava isso - e não teria como falar com ele nesse momento, de qualquer maneira.

Chegando ao hotel escolhido, Chris não conseguiu dormir. Sempre teve essa dificuldade. Quando não tinha nenhum problema para resolver, dormia como um urso no inverno, mas era simplesmente incapaz de relaxar se não sabia como agir no dia seguinte. Decidido a acabar com o incomodo, reuniu todos os documentos que tinha e começou a ordená-los da forma que lhe pareceu mais lógica: três montes. Um para cada ordem dada por Ingram.

Decidiu reler a carta, para não cometer equívocos. Na verdade, não se lembrava de praticamente nada do que lera anteriormente. Só não esqueceu da primeira parte, que lhe irritou profundamente mais uma vez.

[Você está em dívida comigo. E preciso que pague agora. As minhas ordens seguem abaixo].

"Eu estou em dívida? Ele só pode estar de brincadeira, né?"

Dívida. Dever. Chris não conseguiu evitar a lembrança de como era o seu dia a dia antes dessas palavras entrarem em sua vida. Claro que se dependesse de Alexander Kenson, seu pai, ele ainda seria um zero a esquerda. Chris vivia em um verdadeiro ciclo de ódio com seu "velho".

Se pedissem para Chris descrever como foi sua vida dos 0 aos 22 anos de vida, ele com certeza resumiria dizendo algo como "já vi animais de estimação mais amados do que eu fui". Chris sempre achou que o fato de sua mãe ter morrido pouco depois de seu nascimento fez sua presença se tornar indesejada no lar dos Kenson. Sempre achou essa teoria meio clichê, mas como nunca teve coragem de arremessá-la na cara do pai, preferia viver com ela como uma companheira de guerra.

A vingança silenciosa do filho contra o pai se fazia no dinheiro: Chris gastava tudo o que podia, mesmo com o que nem mesmo queria, apenas para demonstrar ao seu pai que não valorizava o seu esforço em ganhar aquele dinheiro. O pai, por sua vez, cansou da brincadeira. Retirou o nome de Chris de seu testamento, e para piorar deixou o jovem rebelde sem um tostão no bolso, fazendo com que se sujeitasse a ele em tudo o que fazia.

Ironicamente, dois anos mais tarde, tudo melhorou com a morte de seu avô. Mesmo com a reprovação de seu pai, nada pode ser feito. A herança do vovô Kenson fez de Chris um homem rico. Não estupidamente rico, mas, se não exagerasse, passaria a vida inteira sem nem precisar olhar para a conta bancária.

Foi aí que Christopher Kenson realmente descobriu o que era uma vida sem limites. Viagens ao redor do mundo. Noites e mais noites de festas intermináveis. Jogos. Mulheres. Tudo. Um paraíso na terra.

Até que Chris conheceu ele. Ou ela. Ele não sabia definir ao certo, mas preferia achar que era "ela". Ela lhe deu um propósito. Lhe explicou o que deveria ser feito. Lhe mostrou um mundo que ele nem imaginava que existia. Não houve dúvida ou hesitação. Ele aceitou. Na maioria das vezes, ele se sente muito feliz com a sua decisão. Mas em momentos como esse, em que tem de trabalhar obrigado, esse contentamento é quase esquecido.

[Localize Leonard Opef. Ele agiu contra a minha vontade e deve ser impedido. Faça o que for preciso].

“Essa parte tudo bem” – pensou. Christopher separou as fotos da fachada do prédio onde Leonard residia, bem como o endereço e rotas para chegar até o local. Para sua sorte, Chris conhecia São Paulo razoavelmente bem, principalmente a região central, onde o apartamento se localizava. As diversas fotos que possuía do homem que procurava lhe permitiriam identifica-lo sem problemas, embora ele já se lembrasse de ter visto aquele semblante rude em outras oportunidades.

“Eu me lembro desse cara. É o alemão que sentou ao meu lado na última assembléia”. - Chris passou praticamente toda aquela tarde falando com o homem da foto. Ele lhe pareceu um pouco “sério demais”, mas extremamente correto. Não conseguia pensar em alguma justificativa para que ele tivesse pirado daquela forma.

“E se ele encrespar comigo? Será que eu consigo convencê-lo a parar sem partir para as vias de fato?” – Chris sabia que, assim como muitas outras coisas em sua vida, só o destino diria o que precisaria ser feito.

[Informe-o que ele não é mais o guardião do bracelete. Agora você o é. Ele deve entregá-lo a você].

“Essa vai complicar” – Aquele bracelete é praticamente parte do que Leonard é. No pouco tempo que passaram juntos, ele o vira se gabar de ser o portador do bracelete pelo menos por três vezes. Ele não esperava que Leonard aceitasse entregar o bracelete de bom grado. Alguma frase como “se você me vencer, pode ficar com ele” era realmente o mais esperado. Chris preferia não pensar nisso agora. Essas situações eram sempre resolvidas de improviso.

[Localize o detetive Marcos Alcântara. Ajude-o, e ele o ajudará a chegar até Leonard. Assim que os desígnios acima tenham sido cumpridos, traga o detetive a minha presença].

“Ops! Tem coisa errada aqui! Por que eu precisaria da ajuda do detetive se eu tenho o endereço e a foto do sujeito?” – Chris se perguntou, mas já sabia a resposta. Ele não iria encontrar a pessoa que procurava em um sofá, assistindo tv, com uma pizza e uma cerveja nas mãos. A história com certeza já estava bem mais complicada, e seria preciso muito mais do que meia dúzia de neurônios para resolver a charada. “Eles nunca me chamam para tirar gatinhos de árvores...”.

Chegando a conclusão de que não havia muito mais o que planejar, Chris se consolou decidindo que seu primeiro passo na manhã seguinte seria procurar o detetive Marcos, e tentar descobrir o que ele sabia sobre Leonard.

Ainda sem sono, finalmente se viu em condições confortáveis para ler o seu jornal, que só chegaria na manhã seguinte nas mãos da maioria das pessoas. Após pouco mais de vinte minutos de leitura (pois Chris não folheava o jornal, ele realmente o lia), não pode conter a boca:

- Puta que pariu! – disse, arregalando os olhos enquanto acabava de ler a noticia.

A manchete não figurou na primeira página, nem mesmo na segunda, mas ganhou um espaço considerável na seção policial.

“...o empresário, identificado pela perícia como Mason Roberts Hewey, foi encontrado morto em seu chalé, em Campos do Jordão. O executivo fazia parte do corpo diretivo da Vobcom, multinacional do ramo de telecomunicações. Segundo relatos, o corpo do empresário foi encontrado em estado de carbonização. A polícia não divulgou maiores detalhes sobre como o empresário sofreu as queimaduras e aparentemente não tem pistas de quem poderia ter cometido o crime...”

Chris não precisava saber como o tal cara se queimou. Ele sabia. Ele não precisava saber se foi um crime realmente. Foi um crime, e ele agora só precisava saber quem o cometera. A noite de paz se foi. Mantendo o traje social (porém sem a gravata) e trocando apenas os sapatos por um par de tênis pretos, o preguiçoso enviado de Ingram seguiu para Campos do Jordão.


Dominantes - UMA BATALHA ETERNA - CAP. 3  

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Capítulo 3: “Eu sou a próxima vítima!”


O sol ainda apresentava os seus primeiros raios de luz quando Marcos chegou a delegacia. Não conseguira dormir bem, pensando nas últimas palavras de Ramiro antes de deixar o local do crime. Crime... a palavra lhe surgiu instintiva na mente, mas será que houve realmente um crime? Que tipo de evidência o local poderia lhe oferecer para que alguma conclusão factível pudesse ser feita?

As respostas começaram a aparecer com a chegada da primeira evidência. As filmagens das câmeras de segurança. Segundo informações da companhia responsável, apenas nove horas de filmagem foram feitas, iniciando-se aproximadamente ao meio dia. Se os depoimentos foram verdadeiros, Marcos poderia assistir a sete horas de gravações antes da presumida vítima chegar ao local. O detetive optou por dividir o conteúdo gravado em três partes, deixando que as seis horas iniciais fossem vistas por seus assistentes, cabendo a ele a análise das últimas três horas de filmagem, o que envolvia a suposta hora do crime.

A principio as filmagens nada trouxeram. Todas as câmeras apresentavam perfeito funcionamento e nenhum movimento pode ser percebido. Após pouco mais de uma hora de filmagem, o detetive pode ver as câmeras da entrada ratificarem o depoimento dos seguranças: Ambos chegaram acompanhando um senhor muito bem vestido, que após uma breve busca foi identificado visualmente como o diretor financeiro da Vobcom, assim como lhe foi dito.

Um dos seguranças entrou a casa, subiu as escadas e colocou as malas do executivo sobre a cama de um dos quartos, sendo vigiado pelo olhar atento de Marcos. “Até então, nada demais”. Em seguida, o segurança sai da casa, se juntando a seu colega de patrulha, do lado de fora. “Vai acontecer a qualquer momento” – pensou
O detetive ainda teve que observar pacientemente por mais trinta minutos o trabalho de Mason Hewey ao computador antes que algo diferente acontecesse.

Finalmente, parecia que o executivo se levantaria da mesa. Foi nesse momento que Marcos se surpreendeu com o término simultâneo de todas as gravações realizadas na sala de estar, que eram exibidas em seu monitor. Fez questão de pausar as demais gravações, acompanhando novamente apenas as filmagens interrompidas, a fim de encontrar algo que ajudasse a identificar o ocorrido. Nada. As gravações simplesmente pararam enquanto exibiam a sala vazia. Observando a gravação daquele mesmo momento pelas câmeras que mostravam a frente do chalé, ainda era possível avistar os seguranças, a pouco mais de cinco metros da porta.

Aproximadamente um minuto depois, foi a vez das câmeras do escritório terem suas gravações interrompidas. Sem mais câmeras internas para observar, Marcos continuou a analisar os seguranças. Após se passarem mais quinze minutos, um dos homens percebeu algo de errado dentro da casa. “O cheiro, talvez?”. Ambos invadiram a casa rapidamente, e com a mesma rapidez saíram.

Um deles saiu cambaleando, possivelmente entorpecido pelo cheiro de queimado, e o outro já estava de celular em punho. “Deve ter ligado para a polícia”. Pacientemente, Marcos acompanhou o término da gravação, que não lhe trouxe nada de novo.

Logo chegaram as análises das demais fitas, onde o único fato relevante foi a presença de duas empregadas, seis horas antes da chegada da vítima. Os seguranças pareciam não ter envolvimento algum no ocorrido, e o fato de quatro câmeras de segurança terem sido derretidas sem qualquer motivo aparente deixava Marcos ainda mais incomodado.

Quase no final do dia, a identidade de Mason Hewey, por análise da arcada dentária, finalmente foi comprovada. O detetive já se preparava para deixar sua sala quando foi surpreendido por Ramiro, transpirando como um porco, e com uma pasta verde nas mãos.

- Você não vai embora sem ver isso chefe, corri muito para te trazer isso

- Senta e respira, homem! – disse Marcos, apontando-lhe a cadeira – Me deixa ver o que é isso.

- Esse primeiro envelope vai complicar a sua cabeça! – disse o perito.

Marcos abriu lentamente a pasta, que continha em seu interior dois envelopes de papel pardo. O primeiro envelope aberto continha uma foto. Uma evidência. A imagem de um fio de cabelo loiro.

- Você quer acabar comigo, Ramiro! Uma outra pessoa na casa?

- E não é cabelo das empregadas. Mas ainda não acabou chefinho, abre o outro envelope.

Atendendo o pedido de Ramiro, o conteúdo do segundo envelope foi revelado, mas Marcos não conseguiu definir ao certo quais eram aqueles impressos.

- São registros telefônicos. De quem?

- São registros das ligações do segurança que ligou para a polícia, e a última folha tem os registros do telefone da vítima. Descobri uma boa! Olha para quem o segurança ligou assim que saiu da casa. O nome do dono do celular está escrito no verso da folha.

- Anthony Cale...esse nome não me é estranho... – disse Marcos.

- É o presidente da Vobcom, Marquinhos! – respondeu Ramiro. Aproveita e olha para quem nosso executivo torrado fez a última ligação de sua vida...Anthony Cale!

Após uma rápida análise das informações recebidas, Marcos até pensou em ligar para a Inglaterra atrás do sujeito, mas o toque do telefone o impediu. Era da recepção do prédio.

- Oi Márcia, me manda uma boa notícia porque o dia está difícil...

- Boa noite, detetive. – disse a recepcionista. Sua voz doce e gentil lhe caiu como um afago, mas definitivamente não era hora para gracejos - É o Sr. Anthony Cale para você. Ele disse estar envolvido em um caso que...

- Como? – interrompeu Marcos, surpreso com a coincidência. – desculpe, Márcia. Eu sei quem é sim. Pode transferir a ligação.

- Detetive. Não se trata de uma ligação, não. Ele está aqui no saguão e gostaria de falar com você!

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Rio de Janeiro, Brasil

Após quinze horas dormindo, o turista foi indelicadamente acordado pelas batidas insistentes na porta do apartamento.

“Será que nem na cobertura da merda desse hotel eu vou ter paz?”

Mesmo estando hospedado em um dos melhores hotéis do estado, se sentiu surpreso ao ser acordado com murros em sua porta. Trajando apenas bermudas, abriu a porta rapidamente, pronto para descarregar sua ira contra aquele que o despertou de seu “breve” descanso.

Porém, tudo o que encontrou foi um envelope branco, que parecia apresentar um grande volume de papéis dentro. Fez questão de esticar o olhar pelo hall de entrada, mas não viu ninguém.

Batendo a porta atrás de si, rasgou o envelope, que não apresentava remetente. Dentro dele encontrou, junto à outros papéis , um envelope menor, contendo apenas seu nome na parte de fora. O conteúdo restante foi identificado em uma rápida passada de olhos como algumas fotos, documentos que mais pareciam dossiês e alguns mapas daqueles feitos pela Internet, dentre outros impressos.

Decidiu começar pela carta, que logo prendeu sua atenção:

Caro Sr. Christopher Kenson,

Me desculpe interromper suas férias, mas o assunto que lhe trago é de urgência para mim.

Você está em dívida comigo. E preciso que pague agora. As minhas ordens seguem abaixo:

- Localize Leonard Opef. Ele agiu contra a minha vontade e deve ser impedido. Faça o que for preciso para que ele o ouça.

- Ele não é mais o guardião do bracelete. Agora você o é. Leonard deve entregá-lo a você.

- Localize o detetive Marcos Alcântara. Ajude-o, e ele o ajudará a chegar até Leonard. Assim que os desígnios acima tenham sido cumpridos, traga o detetive a minha presença.

Todas as informações que você precisa para ser bem sucedido nas tarefas que lhe passei estão no envelope de onde você retirou essa carta. Analise o material com atenção e boa sorte.

Sem mais,
Ingram

Após proferir uma alguns palavrões, chutar uma cadeira e arremessar o envelope do outro lado do quarto, Christopher começou a arrumar as malas.

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- Obrigado por me receber de forma tão solicita, detetive. Estou certo de que posso colaborar muito com a sua investigação. – disse Anthony Cale, em bom português. O jovem presidente da Vobcom parecia à vontade na sala de interrogatório da Polícia Federal. O belo terno negro lhe caía muito bem, realçando seu olhar determinado e seus cabelos, também negros, curtos e bem penteados.

- O senhor deve ter recebido informações do caso com o seu segurança, eu presumo. Não gostaríamos de tê-lo incomodado a ponto de nos fazer uma visita.

- Na verdade, eu soube do caso antes da equipe de segurança me contatar, detetive. E é por isso que estou aqui.

- A última ligação de Hewey... – disse Marcos

- Exatamente. Eu não atendi a ligação, mas uma mensagem foi gravada em minha caixa postal. Gostaria de ouvi-la? – disse Anthony, exibindo seu celular.

- Sem dúvida! – respondeu Marcos, sem disfarçar a satisfação em se deparar com um possível avanço no caso. As evidências não costumavam lhe bater à porta dessa maneira.

Prontamente, Anthony Cale acionou o sistema de viva-voz de seu celular, permitindo que Marcos o acompanhasse no processo de busca pela mensagem em sua caixa-postal.

- É essa – disse o executivo, ao inicio de uma das mensagens. A gravação começara de uma conversa já em curso, mas, com alguns segundos de audição, Marcos já se encontrava situado quanto ao teor da discussão.

- ...eu ajudaria você? – disse uma voz grave e envelhecida. Marcos presumiu ser a voz de Mason Hewey.

- Você não tem escolha, amigo. Você não vai mais ajudar seu chefe a nos prejudicar. – disse a outra voz, também grave, porém muito mais jovem – Eu até poderia queimar seus dados de trabalho, mas eu sei que você conseguiria refazer o serviço e mais cedo ou mais tarde nós estaríamos com problemas novamente. Por isso, estou lhe dando essa chance de abandonar o lado errado.

- Eu não sei se eu dou risada dessa proposta ou se eu te mando a merda, seu demônio desgraçado! – O tom de voz de Mason Hewey se exalta no final da frase – Não há escolha a se fazer! Tudo o que eu faço é para acabar com vocês!

- Você é um velho idiota... – responde a voz mais jovem, demonstrando resignação.

- Antes de você aparecer eu tinha dúvidas se conseguiria todo o dinheiro que precisamos – afirmou Mason - mas sua visita me mostrou que estou no caminho certo! Vou conseguir o dinheiro que a companhia me pediu. E pode falar para quem te mandou aqui que a viagem foi perdida!

- É uma pena, Sr. Hewey. Você é leal demais. Uma pena realmente. Não há chances de conversão para você – Os dizeres da voz mais jovem se tornavam mais altos e audíveis.
“Ele deve ter se aproximado de Hewey...” – pensou Marcos.
- E o que você vai fazer, seu demôn.......AGHHHHH

Com o breve grito de Mason Hewey, a ligação caiu. Marcos se manteve calado por alguns segundos. Anthony Cale lhe olhava fixamente, enquanto recolhia o celular da mesa de interrogatório, colocando-o no bolso da calça. Enfim, Marcos decidiu se pronunciar.

- Sr. Cale, como o senhor deve saber, sem as devidas certificações legais, apenas ouvir o conteúdo dessa mensagem não me dá autorização para utilizá-la. Preciso contatar a embaixada e oficializarmos a sua autorização para uso da mensagem como prova. Precisamos achar esse homem.

- Aí está o ponto, detetive. Eu não autorizo. – afirmou o executivo.

- Desculpe, eu não entendi, Sr. Cale – respondeu Marcos, visivelmente intrigado.

- O senhor já percebeu que esse caso não é um crime comum, não é mesmo, detetive? Pois bem, eu tenho muito mais a dizer ao senhor, mas não o farei oficialmente.

- Eu pensei que poderia contar com o seu auxílio, Sr. Cale... – afirmou Marcos, demonstrando não entender onde o executivo queria chegar.

- E pode, detetive. Estarei na sede nacional da nossa empresa, a sua espera, para lhe esclarecer alguns fatos que com certeza o farão entender melhor o que houve naquele chalé. – disse Anthony, lhe estendendo um cartão de visitas – Se ainda achar que deve continuar seguindo o seu raciocínio atual, não precisa ir. Mas se quiser resolver esse caso, eu recomendo que me procure.

Com essa frase, o presidente da Vobcom se levantou, oferecendo a mão ao detetive e estampando um sorriso forçadamente simpático no rosto. Marcos o cumprimentou, devolvendo o sorriso artificial e conduzindo-o até a porta.

Ainda intrigado e totalmente sem saber o que pensar, Marcos se recosta na mesa de interrogatório. Em poucos minutos, o detetive vê Ramiro adentrar a sala.

- Eu estava ouvindo lá de cima. Você conseguiu tirar alguma coisa do que esse doido disse? – pergunta o perito

- Simplesmente nada. Ele não veio aqui para falar. Mas ele parece saber exatamente o que aconteceu no chalé...

- A empresa do cara é de alta tecnologia, não é? Quem sabe eles não desenvolveram algo que possa fazer aquilo com alguém? Isso explicaria o porquê dele não querer tornar nada oficial. – arrisca Ramiro.

- Pode ser, mas eu prefiro não me prender a nenhuma teoria por enquanto. - responde Marcos - Eu vou até lá amanhã cedo. Vamos ver o que o nosso presidente tem a me dizer!

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Estranho. Tudo muito estranho. A forma com que fora recebido na sede da Vobcom antes mesmo de se apresentar. O jeito apressado com que a recepcionista deixou sua posição para liberar o acesso ao elevador executivo, sem pedir uma identificação sequer.

Marcos tentava não se preocupar, mas todas essas particularidades lhe traziam uma inevitável ansiedade pelo novo encontro com Anthony Cale. Embora tenha escolhido o vigésimo quinto andar, o último botão, ao chegar nesse pavimento o elevador não parou. Após subir por mais alguns metros, finalmente a desaceleração característica foi ouvida.

Quando as portas se abriram, uma brisa gélida invadiu o elevador, fazendo com que um calafrio percorresse o corpo do detetive. Marcos esperava ver uma recepção de alto luxo, com uma bela secretária que lhe anunciaria e lhe avisaria a hora de adentrar o escritório do presidente. Mas, ao invés disso, se deparou com um andar completamente vazio.

O piso negro como ébano, brilhante e amplamente iluminado pelas luzes fluorescentes, exibia o reflexo do detetive. As paredes das laterais do andar eram totalmente preenchidas por espessas cortinas, também negras, complementavam o ar gótico do ambiente. Do outro lado do andar, distante, apenas uma porta, que mais parecia estar posicionada na parede de fundo do andar, lhe dava um palpite sobre a localização do presidente da Vobcom.

Marcos avançou lentamente, percebendo as câmeras nos cantos do andar. Se aproximou da porta, mas não teve tempo de decidir se bateria na porta ou se chamaria pelo nome de seu anfitrião.

- Entre, detetive. - disse Anthony Cale, do lado de dentro.

Marcos girou a maçaneta, e logo identificou o executivo em uma grande cadeira marrom, muito semelhante a uma poltrona. Diante do presidente se encontrava uma mesa de vidro, cheia de documentos por todo os lados. A aparente desordem surpreendeu Marcos, que esperava um local de trabalho mais organizado vindo daquela figura que demonstrava tamanha segurança. Rapidamente o detetive olhou para as duas extremidades da sala, onde viu uma porta dupla à sua esquerda e outra, mais simples, à direita.

- Aquela é minha pequena biblioteca - disse Anthony, apontando para a sala à direita de Marcos - e a outra é o que chamo de minha sala de descompressão. Vamos até lá. Gostaria que ficasse mais a vontade para conversamos.

- Sem problemas - disse Marcos, acompanhando Anthony até a porta dupla.

O novo ambiente exibia alguns sofás de couro, que pareciam fofos e extremamente confortáveis. Ao fundo, um pequeno bar, mas de luxo condizente com o restante do local, pode ser visto. Marcos não conseguiu disfarçar a surpresa com a grande diferença na decoração dos dois ambientes.

- Espero que tenha gostado. Considero esse cômodo um pedaço da minha casa. Aceita alguma coisa para beber? - disse Anthony, servindo-se de um copo de whisky.

- Não, Sr. Cale. Obrigado - respondeu Marcos

- Entendo. Está realmente meio cedo para beber. Sente-se, detetive. Fique a vontade.

Marcos se sentou em um dos sofás, enquanto Anthony se dirigia até sua presença, sentando-se à sua frente.

- Bom, detetive, em primeiro lugar quero me desculpar. Acho que não fui totalmente respeitoso durante meu breve depoimento, mas quero que entenda que sua presença aqui era realmente indispensável.

- Não se preocupe, Sr. Cale...- disse Marcos, com um tom de voz mais amigável.

- Por favor detetive, pode me chamar de Anthony.

- Tudo bem, Sr. Anthony, eu entendo sua preocupação. Mas creio que o Sr. já presuma qual é a minha opinião sobre o envolvimento da imagem da sua empresa nesse crime, não?

- Eu presumo sim, detetive. E você está completamente certo. Mason Hewey morreu porque era meu diretor financeiro. - afirmou o executivo.

- Do jeito que o Sr. fala, faz pensar que o sr. sabe quem matou o seu funcionário. - retrucou Marcos

- Eu não sei quem matou Mason, detetive. Mas eu sei o que o matou e porque o matou.

- Desculpe, Sr. Anthony. Pode ser mais claro?

- Posso sim detetive, mas vou precisar de uma boa dose de paciência e de sua boa vontade. - disse Anthony

- Estou aqui para ou vi, Sr.Anthony.

- Minha pergunta pode parecer estranha, mas ela é fundamental para eu decidir como lhe explico isso. Detetive Marcos, o Sr. acredita em intervenções, digamos, além da nossa compreensão em nosso mundo?

Marcos pareceu inevitavelmente espantado com a pergunta, mas a surpresa logo foi substituída por um sentimento de frustração. "Não acredito que estou ouvindo isso" - pensou.

- Não entendi o propósito da pergunta, Sr. Anthony. O Sr. não vai me dizer que o ocorrido com seu funcionário foi uma intervenção sobrenatural, vai? - questiona Marcos, demonstrando um princípio de irritação.

- Na verdade, detetive, foi exatamente isso.

Marcos se levantou do sofá, olhou para a porta, pensando se não deveria sair dali naquele exato momento.

- Me desculpe, Sr. Anthony. Não quero parecer indelicado, mas não estou vendo um motivo para permanecer aqui, ou no que o Sr. possa me ajudar. Se tiver algo mais a contribuir, gostaria que o fizesse agora, pois tenho que dar seqüência a investigação.

- Detetive, me perdoe se lhe ofendi de alguma forma. A situação realmente não é compatível com uma explicação como a que pretendia lhe dar. O que lhe peço são apenas mais cinco minutos. Não mais do que isso. Mas eu peço que me escute atentamente, e então, se quiser, poderei lhe provar tudo o que vou lhe dizer. Vou provar inclusive que sei o que matou Mason Hewey e qual o motivo do assassinato.

O detetive olhou para cima, como se buscando calma para ouvir aquela história por mais algum tempo. Manteve seus olhos fixos na porta de saída por alguns instantes, e então voltou a se sentar.

- Cinco minutos, Sr. Cale. É o tempo que tenho para sua história.

- Então devo me apressar. Essas criaturas, que Mason costumava chamar de demônios, são capazes de coisas que você não conseguiria sequer conceber pensando usando a sua lógica convencional. Embora eles se pareçam muito com pessoas como nós, eles não são. Mas não vou gastar meus cinco minutos falando dessas criaturas. Quando eu for provar sua existência você entenderá que, como se diz, uma imagem vale mais do que mil palavras. Sobre o porquê de terem assassinado Mason, bem, há alguns anos atrás eu descobri a existência deles, de forma quase acidental. Quando percebi o que eram, não tive dúvida. Comecei a dedicar todos os recursos que podia para saber mais sobre essa ameaça. Pois é isso que são, Sr. Marcos, uma ameaça a todos nós! - Anthony Cale pareceu mais enfático do que gostaria.

O olhar de Marcos com o passar da história tornava-se cada vez menos respeitoso, beirando a piedade nesse momento. "Ele pode duvidar agora. O importante é que está me ouvindo" - pensou o executivo, retomando rapidamente a fala, agora com o seu tom de voz novamente visando uma maior sobriedade.

- Com o tempo, fui sabendo mais detalhes sobre eles e, com isso, necessitei de mais recursos. Foi então que comecei a desviar dinheiro da companhia com a ajuda de Mason que, ao saber do que se tratava, concordou de bom grado em colaborar. Seu papel era maquear os resultados e as disponibilizações de verbas da empresa, escoando recursos para nossas pesquisas. Sinceramente, em alguns momentos até pensei em desistir. Por mais informações que tivéssemos, nunca conseguimos evitar que eles agissem. Mas, aproximadamente três meses atrás, fizemos uma descoberta fantástica que faria tudo mudar. Porém, para que nós pudéssemos colocar o projeto em operação, precisaríamos efetuar um verdadeiro rombo na empresa. E era nisso que Mason estava trabalhando quando foi morto. Logo, meu diretor financeiro foi morto porque era o homem que possibilitaria a conclusão de um projeto que pode por fim a essas criaturas.

Alguns segundos de um silêncio pesado se colocou entre os dois homens. Marcos ouvira atentamente tudo o que lhe foi dito. Em seu íntimo, sua única expectativa era filtrar as insanidades relatadas pelo presidente da Vobcom, garimpando seus dizeres, a fim de ficar apenas com algo que achasse útil de alguma forma. Essas considerações eram sempre feitas com base em seu conhecimento e experiência. Mas, dessa vez, Marcos decidira ouvir uma outra companheira inseparável: sua intuição. E foi baseando-se nela que ele decidiu seguir com o depoimento, tentando extrair algo da, até então, infrutífera manhã.

- Se eu o ouvi bem, Sr. Cale, o senhor admitiu que desviou recursos de sua empresa em um projeto que não visa o interesse de seus acionistas, estou certo? Anthony Cale suspirou em desaprovação com o comentário do detetive. Parecia que o detetive não havia entendido nada do que ele queria passar.

- Espero que tenha ouvido com a mesma atenção as outras informações que lhe passei, detetive. Mas sim, é exatamente isso que você ouviu. Mas o que você queria que eu fizesse? Falasse que existem pessoas por aí capazes de torrar seres humanos com o pensamento? Que eu quero usar o dinheiro da venda de celulares em pesquisas que nada tem a ver com eles? Alguém tinha que fazer, Sr. Marcos. – disse Anthony, de forma agressiva e incisiva. O dedo indicador apontado de forma ameaçadora na direção de Marcos dava ainda mais energia às suas palavras. - E eu não me arrependo de ter sido eu essa pessoa!

Com o gesto desrespeitoso, Marcos se ruborizou, ficando visivelmente irritado. Por um instante, o detetive se permitiu comentar o que ouviu, sem se importar do que pensaria Anthony Cale.

- A sua história não tem o menor cabimento, Sr. Cale. Se o Sr. descobrisse algo "do outro mundo" como o Sr. mesmo diz, com certeza procuraria alguma autoridade competente. Ou o senhor também tem planos de roubar o dinheiro de seus sócios para abrir um departamento para caçar essas criaturas imaginárias? - Marcos havia se segurado demais.

- Mas eu vou provar tudo o que eu falei! – respondeu Anthony, ainda com a voz alterada. O diálogo seguia acalorado.

- Como? - retrucou Marcos, com a mesma veemência.

- Simples, detetive. – Anthony Cale tentou se concentrar para recobrar a calma, mas sua frase, que buscava trazer um pouco de serenidade a conversa soou de uma falsa tranqüilidade. - O senhor terá a chance de ficar frente a frente com o assassino de Mason Hewey. – concluiu - Se ele é um homem comum, bastará ao senhor prendê-lo. Mas acho que logo vai perceber que ele não é um homem comum.

- Isso quer dizer que o Sr. sabe onde encontrá-lo? – O princípio de ira de Marcos se abranda com a surpresa trazida pela naturalidade dos dizeres de Anthony Cale.

- Não, detetive. Mas eu sei que ele quer me encontrar. E sei como atraí-lo. Fique perto de mim, Marcos, e você vai encontrar o seu assassino. Pois eu tenho certeza que eu sou a próxima vítima!


Dominantes - UMA BATALHA ETERNA - CAP. 2  

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Capítulo 2: Combustão Espontânea!

Mais rápido do que gostaria, Marcos Alcântara avançou com seu Peugeot prateado pela rodovia, rumo a Campos do Jordão. Embora ainda sem ter certeza do que encontraria pela frente, sabia que por solicitarem sua presença com tamanha urgência, a situação deveria ser crítica.

Se aproximando do chalé que lhe foi indicado, estranhou a discreta movimentação policial: apenas dois veículos, um deles com o emblema da polícia federal e outro logo identificado como da polícia local, estavam posicionados à frente da casa. A área estava parcialmente cercada com as características fitas amarelas, e ainda não era possível ver nenhum curioso nas imediações. Assim que desceu do carro, foi recepcionado pelo seu fiel escudeiro, que lhe deu um forte abraço.

- Como vai, chefe? Pronto para trabalhar? – disse o perito. Ramiro era um dos mais respeitados investigadores forenses do estado. Sua baixa estatura e ampla calvície faziam do simpático policial o principal alvo de apelidos no departamento.

- Vamos lá meu velho, o que você tem pra mim?

- Realmente o presente que eu tenho aqui é seu, detetive. Só nós dois podemos entrar por enquanto. – afirma Ramiro, dando mais seriedade ao tom de voz.

Dirigindo-se à entrada do chalé, Marcos se aproximou de um dos policiais que concluíam a demarcação do perímetro.

- Que noite, hein? Quem são eles? – puxou assunto, apontando para o banco traseiro da viatura da polícia local.

- Nem me fale! Quatro da manhã e pelo visto isso ainda vai longe! Os dois ali são seguranças do homem. Foram eles que ligaram avisando da ocorrência.

- Quando foi isso?

- Há umas quatro horas. Você quer falar com eles agora?

- Vou dar uma olhada lá dentro primeiro, aquele velho vive fazendo besteira! – disse o detetive. Ambos riram brevemente, e Marcos seguiu para a entrada da casa.

Marcos se abaixou para superar a fita que cruzava a porta, seguido por Ramiro. Um forte cheiro de queimado o surpreendeu, mas não soube identificar de pronto o que poderia tê-lo ocasionado.

- Que cheiro é esse? – perguntou o detetive

- Osso queimado, chefe.

- Ossos? – retrucou Marcos. O perito lhe respondeu balançando a cabeça afirmativamente.

- Antes de qualquer coisa, acho melhor eu te mostrar uma coisa, chefe. Cobre o rosto, porque vai feder.

Ramiro conduziu Marcos até o outro lado da sala, desviando com cuidado de todas as áreas demarcadas pelo investigador.

- Há quanto tempo você chegou, Ramiro?

- Há pouco mais de uma hora. Você acredita que quando eu cheguei aqui, o promotor já estava me esperando com o mandado? Você sabe o que isso significa, né?

Marcos sabia muito bem o que isso significava. Intervenção direta da superintendência na investigação. O crime acontecera há pouco e todas as partes foram acionadas em tempo recorde. Com certeza, mais cedo ou mais tarde, o motivo dessa pressa apareceria.

Ramiro arrastou rapidamente uma porta deslizante que lhes deu acesso a outro ambiente da casa. O correr da porta trouxe intensificou o odor fétido percebido na entrada do chalé. Marcos recuou um passo, torcendo o nariz, para logo em seguida ficar completamente pasmo com a cena que se colocava diante de seus olhos.

Sobre o tapete se encontrava nada menos do que um esqueleto esbranquiçado. Algumas partes da ossada, como as laterais da bacia e a parte de trás do crânio e das costelas, já se apresentavam em estado de fragmentação. Observando com atenção o que restou da vítima, era possível perceber algumas partes da ossada se desfazendo lentamente, como se feitas de areia.

- Sinceramente Ramiro, espero que você tenha uma ótima explicação para o que aconteceu aqui...

- Bom, vamos com calma chefe. Primeiro olha lá em cima, nos cantos do escritório. Temos duas câmeras de segurança. Bem, elas eram câmeras de segurança. Foram derretidas, só que o teto mal ficou manchado. Sei lá, parecem que colocaram as câmeras no microondas! Dá uma olhada aqui na mesa também. Vê esse monte de plástico retorcido? Consegui identificar algumas partes. Era uma maleta e um notebook.

- Pelo jeito, temos mais câmeras derretidas na sala de estar também – afirmou o detetive, dando um passo atrás, apontando para cima.

- E outra coisa. Você vê essas partes esfareladas nas costas da ossada? Isso me dá praticamente a certeza que esse esqueleto estava em pé, caiu de costas, e se fragmentou.

Marcos fez uma pausa para então retomar sua análise.

- Tudo bem, meu velho. Se alguém tivesse entrado aqui, atirado nele, e saído misteriosamente, eu entenderia. Mas não foi isso que aconteceu. Esse homem foi torrado até os ossos! Eu não tenho como acreditar que esse corpo ficou assim, aqui, e sem que esse escritório inteiro estivesse destruído!

- Pra piorar chefe, esse corpo não poderia ficar assim de jeito algum. Eu não sou um especialista nisso mas, pelo que eu sei, um corpo não fica desse jeito nem quando é colocado em um forno crematório. Acho que nem vamos conseguir movê-lo direito. Só de bater o pé perto do corpo ele se desfaz!

- O tapete só está queimado perto dos pés dele, Ramiro. Não tem lógica! Marcos parece indignado.

- Marquinhos, tem uma teoria meio maluca que com certeza você já ouviu falar...

- Não me venha com essa de combustão espontânea que eu não engulo! – retrucou o detetive.

A teoria levantada por Ramiro é conhecida como combustão humana espontânea, ou C.H.E. Os entusiastas que defendem esse fenômeno se baseiam na possibilidade de um corpo entrar em combustão sem a interação com alguma fonte que inicie o processo incendiário.
- Tudo bem, tudo bem. Mas eu estou curioso para saber o que você vai fazer quando concluirmos as análises. Mesmo que cheguemos a alguém, como você espera descobrir como o assassino o matou? Usou uma pistola desintegradora de desenho animado ou colocou o cara embaixo de um foguete?

- Se você me permite – continuou o detetive, quase interrompendo seu colega - vou falar com os seguranças lá fora e depois achar algum lugar para ficar. No caminho eu pedi para o Cosme vir para cá. Ele deve chegar a qualquer momento para te ajudar na coleta das evidências. Precisamos de mais alguém de confiança.

- Vai tranqüilo. Qualquer novidade eu te acordo! – afirmou o investigador, com um ar irônico.

Saindo do chalé, Marcos procurou os seguranças para uma primeira abordagem. As confirmações que buscava nesse momento visavam apenas à montagem da linha do tempo dos fatos ocorridos na noite do crime. As filmagens e as demais evidências auxiliariam com o resto.

Com paciência e astúcia, o detetive começou a colher as informações que precisava. Marcos descobriu que os seguranças, ambos brasileiros, já trabalhavam há mais de um ano para a vítima, na Inglaterra. Segundo eles, seu chefe era um conhecido diretor do ramo das telecomunicações, que estava em férias no Brasil.

Soube também que a esposa do executivo viria encontrá-lo na noite seguinte. A discrição momentânea do caso já tinha dia e hora para acabar.

Em seguida seu objetivo foi coletar, de forma individual, toda a seqüência de acontecimentos daquela noite. Como de praxe, foram feitos alguns questionamentos adicionais, aparentemente irrelevantes para o caso, mas essenciais para determinar se os depoimentos eram combinados. Satisfeito com o resultado, Marcos pediu para que os policiais auxiliassem os dois homens com algum lugar para ficar. O próprio detetive precisava fazer o mesmo.

“Era tudo o que eu precisava. Um americano morto queimado até os ossos... é pra derrubar a carreira de qualquer um!” – pensou Marcos, enquanto se encaminhava para o carro. Em apenas quatro anos como detetive da polícia federal, Marcos estava construindo uma carreira meteórica. Teve participação ativa na resolução de dois assassinatos marcantes, o que lhe rendera um certo destaque no departamento e uma crescente confiança da superintendência. Com pouco mais de trinta anos, Marcos possuía um semblante confiável e jovial, o que começava a lhe favorecer na constante procura da imprensa por especialistas em suas entrevistas.

Mas agora Marcos estava preocupado com o esqueleto que lhe colocaram no armário. Como de costume, passou a noite em claro ponderando hipóteses e mais hipóteses de como aquilo poderia ter acontecido. Pensou em algumas alternativas que até mesmo ofenderiam os padrões do racional. Devia estar com sono. O dia seguinte lhe traria mais respostas.

DOMINANTES - UMA BATALHA ETERNA  

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Uma Batalha Eterna

CAPÍTULO 1: O Fogo que Purifica


- Você recebeu minhas instruções?
- Sim, mestre. E já sei exatamente como eu vou pegá-lo.
- À meia noite, eu o quero aqui, de volta, e com o seu dever cumprido.
- Eu entendi perfeitamente, Mestre.
- Se você falhar, Angrew, é bom que tire sua própria vida antes que eu ponha as mãos em você.
- Não se preocupe, Mestre. Uma coisa que eu aprendi com o senhor é que, no final, o inferno sempre vence!

Campos do Jordão, São Paulo, Brasil.

É inverno. O frio que acerca o luxuoso chalé contrasta com o calor proporcionado pela lareira, acesa seis horas antes da sua chegada, conforme solicitado.
Como diretor financeiro da VobCom, Mason Hewey só deixava a Inglaterra por motivos estritamente profissionais, e uma oportunidade de descanso como a que lhe foi oferecida não poderia ser desperdiçada.

Ao adentrar a luxuosa cabana com sua inseparável valise, deixou escapar um leve sorriso de agrado com a bela e requintada mobília colonial. Na lareira à sua direita, um quadro com a imagem de um jovem sorrindo ao lado de sua esposa o fez divagar por um instante. “É...quanto tempo...” – pensou

Os quase cinqüenta anos de idade do executivo já eram evidentes em seu semblante, e seus cabelos brancos já eram incomodamente numerosos. Mason é casado há dezoito anos com Irene, uma respeitada advogada corporativa. Há cinco anos, ele havia conseguido convencê-la a trabalhar para a VobCom. Ironicamente, um contrato de extrema importância a faz permanecer na sede da empresa no mesmo dia em que viriam ao Brasil. Ele a fez prometer que viria no primeiro vôo do dia seguinte.

Caminhando pela sala de estar, colocou o pesado casaco no sofá, enquanto observava um de seus seguranças pessoais entrar na casa com duas grandes malas de viagem.

- Senhor Hewey, sua bagagem – Disse o segurança, ao passar pela porta com certo desajeito.
- Pode levar, Carlos – Respondeu, apontando a direção das escadas do andar superior, sem lhe dar muita atenção – E assim que sair, tranque a porta. Eu não quero ser incomodado.

Dirigiu-se até a outra extremidade da sala, onde uma porta dupla lhe deu acesso ao seu escritório. O macio tapete persa massageava seus pés, agora despidos dos sufocantes sapatos, enquanto se encaminhava à mesa, onde algumas últimas atividades profissionais o separavam de suas preciosas férias.

Sem perder mais tempo, retirou seu notebook da maleta e, como primeira medida, colocou-o para tocar Mozart, indispensável nos momentos de trabalho. Começou então a analisar os resultados econômicos da empresa. Quanto antes começasse, antes terminaria.

Porém, sua tarefa não seria nem um pouco rotineira esse ano. O Diretor Presidente da empresa, um homem que aliava severidade à ousadia nos negócios, havia compartilhado alguns segredos perturbadores com Mason. Segredos esses que envolviam uma divisão secreta da companhia, que realizava estudos de altíssimo nível tecnológico e de custos astronômicos. Esses valores jamais poderiam ser informados aos acionistas. Afinal, quem acreditaria que essas criaturas existem?

Mas o que estava realmente tirando seu sono não era o porquê de financiar o projeto, e sim como. Executar a ordem recebida antes de sair da Inglaterra parecia um desafio à lógica e, acima de tudo à matemática. “Como vou fazer para desviar trezentos e cinqüenta milhões de dólares?”

Após duas horas de trabalho, simulou o quanto conseguiria se adulterasse alguns documentos, superestimasse a previsão de despesas do próximo ano e forjasse alguns prejuízos inexistentes: o resultado foi um desvio de pouco mais de cem milhões. Um valor absurdamente alto, mas muito abaixo do solicitado – Desisto, continuo amanhã – pensou alto.

Enquanto Hewey reorganizava sua maleta, um cheiro estranho lhe entupiu as narinas. Não tardou a reconhecê-lo. Plástico queimado. Levantou rapidamente da cadeira, olhando a sua volta, buscando descobrir o que havia de errado.

Graças a fumaça que se acumulava no canto superior da parede, identificou rapidamente a causa do problema: a pequena câmera de segurança do escritório se apresentava completamente derretida. Observando-a por alguns segundos, como se desacreditando do que estava vendo, Mason foi surpreendido com um estalido às suas costas, seguido do som característico de algo sendo frito. Ao virar-se, pode ver a câmera posicionada do lado oposto da sala também se desfazer.

Embora o resultado do derretimento do equipamento estivesse bem diante dos seus olhos, inexplicavelmente nenhuma chama podia ser vista.

“Mas que merd....”

O executivo mal teve tempo de raciocinar sobre o estranho evento. De súbito, as chamas da lareira na sala de estar tomaram proporções descomunais, lançando-se em sua direção.

Instintivamente, Mason recuou, cobrindo o rosto e tocando a parede da sala com as costas. Percebendo que o fogo não se aproximou o bastante para atingi-lo, o executivo recuperou a postura por um momento, para que um grande frio lhe corresse a espinha no instante seguinte: O fogo havia retornado para sua posição original porém, diante da lareira, um homem de quase dois metros de altura, com longos cabelos loiros e de uma feição intimidadora, o observava como um predador que avista a presa.

Sem dúvidas, a vida de Mason Hewey poderia ser medida em segundos.

CONTOS DE DOMINANTES  

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UM GÊNESE MODERNO - Quais os alicerces do mundo de Dominantes? Nada melhor do que saber como tudo começou, desde o princípio dos tempos.

UMA BATALHA ETERNA - Quando Marcos Alcantara decide investigar o misterioso assassinato de um poderoso executivo, não lhe restarão alternativas a não ser acreditar em fontes extremamente duvidosas para resolver o caso. O que ele não sabe é que seu próprio senso de dever o colocará no meio da guerra mais antiga do universo

Capítulo 1 - O Fogo que Purifica

Capítulo 2 - Combustão Espontânea

Capítulo 3 - "Eu sou a Próxima Vítima"

Capítulo 4 - A breve história de Christopher Kenson

Capítulo 5 - Teste de Paciência

Um Gênese Moderno  

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Kiev, Ucrânia.
Universidade das Forças Invisíveis. Entrada do Campus principal.

19:30min. Os recém chegados alunos se entreolham, tentando encontrar maiores esclarecimentos, mas todos parecem igualmente confusos e ansiosos por respostas.

Em meio a uma maioria absoluta de jovens, uma figura se diferencia das demais: Um senhor de aparentemente quarenta anos, do alto de seus quase dois metros de altura, de terno e gravata impecavelmente brancos. Ele pede a atenção dos presentes. Sua voz ecoa sobrenaturalmente por todo o ambiente:
- Boa noite. Acompanhem-me.

Lentamente o homem de branco se dirige aos fundos do pátio, onde uma rampa que dá acesso ao primeiro andar é avistada. A grande maioria o segue prontamente. Os mais cautelosos o fazem em pouco tempo. O homem adentra o primeiro andar, parando ao lado de uma das portas. Uma pequena placa dourada identifica o recinto: “sala 1.2”.

- Entrem, e aguardem sentados–diz, sem demonstrar muita afabilidade.

Pouco a pouco, os entrantes se acomodam nas confortáveis cadeiras do amplo auditório. Assim que o último visitante adentra a sala, a porta é fechada.

Alguns tentaram se comunicar com os colegas mais próximos, mas encontraram dificuldades: os idiomas ali falados eram os mais variados, impedindo que qualquer diálogo mais proveitoso ocorresse de pronto. Com mais alguns minutos de espera, algumas conversas em espanhol e inglês puderam ser ouvidas, mas foram logo interrompidas pelo destrancar da porta.

Um homem de boa aparência, estatura mediana, de cabelos negros curtos e bem penteados, posicionou-se em frente à turma. Vestido com um belo terno cinza escuro, o entusiasmado anfitrião é logo identificado pelos alunos como o “professor” da sala. Ele observa a todos atentamente por um instante, sem dizer uma palavra, com um suave sorriso que transmitia a sua felicidade por estar ali e uma irresistível simpatia.

Uma vez estabelecido o silêncio, ele se apresenta.

Boa noite a todos. Permitam-me que eu me apresente. Meu nome é Eric, e eu tenho certeza que nos veremos com certa freqüência a partir de hoje. Creio que possam ficar surpresos pelo fato de que, com a minha chegada, todos estão se entendendo e me entendendo perfeitamente, mas isso pode ser explicado depois. O importante é que vocês estão entendendo. – afirmou Eric, sorridente, enquanto caminhava entre os alunos.

Meu intuito aqui é compartilhar um pouco do meu conhecimento com vocês. Explicar melhor o que são e porque são. Eu particularmente acredito que o melhor jeito de explicar isso a vocês seja contando a verdadeira história do nosso universo.

Primeiramente, não se sintam envergonhados de terem acreditado em tudo que lhes contaram por todo esse tempo, pois que lhes contou não tem a mínima culpa. Pensem bem: quem lhes contou a história estava lá para poder lhes afirmar, com convicção, que os fatos ocorreram conforme lhes foi contado? – Eric fez uma pausa proposital na oratória, induzindo um momento de reflexão - Pois bem, eu também não estava lá – retomou. Com essa frase, ouve-se um principio de riso entre os alunos – mas... ao menos eu posso dizer que quem me contou essa história estava lá, vendo tudo acontecer, e tenho certeza que me contou toda a verdade. Então vamos a ela.

A surpresa com que os “alunos” receberam a introdução de Eric era quase palpável. Um misto de desconfiança, curiosidade e deslumbramento tomava a mente dos ouvintes. Eric sabia como ser persuasivo. Conhecia como poucos o profundo da alma humana. “Eles estão em dúvida agora, mas logo vão entender” – pensou. Após lhes proporcionar uma nova pausa para colocar as idéias em ordem, decidiu retornar a explanação.

Bem, no princípio, não havia nada como conhecemos hoje. É impossível descrever com termos humanos o que existia, mas para facilitar o entendimento da historia, vamos imaginar esse grande “nada” como uma imensidão negra, tudo bem? – disse, enquanto apontava para o quadro-negro.

Nessa imensidão surgiram sete seres de incrível poder. Esses seres não existiam fisicamente e, portanto, não possuíam um corpo. Vocês podem imaginá-los como entidades muito poderosas, espíritos, ou até deuses se preferirem. Ao citar os sete, Eric se voltou novamente ao quadro negro, desenhando apressadamente sete rabiscos semelhantes à forma com que uma criança desenharia um relâmpago.

Nessa época eles não tinham nome, pois essa necessidade de se identificar é totalmente humana, mas posteriormente seis deles ficariam conhecidos como Rá, “O Andarilho”, Mikael, Alexandre, Lucian e Eva.

- Rá? Mikael? Eva? Acho que conheço esses nomes...- diz um dos ouvintes

Realmente, Greg, alguns desses nomes soam realmente familiares – respondeu Eric. É visível a surpresa do jovem aluno inglês ao ver que o ministrante da aula lhe chamou por seu apelido de infância – Se eu lhe explicasse de pronto o motivo disso acho que pularíamos algumas partes importantes da história, mas vamos entender o porquê disso em breve, ok?

Continuando, vocês lembram que eu mencionei os Reitores eram sete, não? O sétimo Reitor se autodenominou Belial e podemos dizer que ele é o “irmão mais velho” dos Reitores. Pelo que consta, os Reitores não surgiram simultaneamente no universo, Belial foi o primeiro – disse, enquanto circulava um dos “relâmpagos” no quadro - e depois surgiram os outros seis.

Assim sendo, quando os outros irmãos surgiram, Belial usou de todo o seu poder para permanecer furtivo, onde pouco a pouco foi influenciando o intelecto de seus irmãos.

- Está estranha essa história, Eric – indaga uma jovem alemã - Como ele conseguiu fazer isso? Como um consegue se esconder de seis? Posso estar falando besteira, mas sei lá, eles todos eram deuses não eram? – pergunta.

- Para responder a essa pergunta, temos que explicar antes o que um Reitor pode ou não fazer.

De forma simples, podemos dizer que um Reitor é capaz de fazer tudo o que desejar, contanto que tenha o consentimento ou abstenção de seus irmãos. Tudo deveria ser decidido em unidade. O problema que só foi descoberto posteriormente, Nicole, é que Belial não era bem um Reitor, e sim um ser superior em poder se comparado aos demais Reitores.

- Ahhh... – expressa a moça, dando-se por satisfeita.

Com o passar do tempo, Belial começou a semear extrema angústia no “coração” dos Reitores, sentimento esse que foi amadurecendo e frutificando entre os seis, despertando uma até então inexistente necessidade de auto-afirmação. Eles não sabiam o que causara tamanho desconforto, mas sabiam que precisavam se livrar daquilo. Em uníssono, chegaram à conclusão que se conseguissem realizar um feito duradouro, que lhes deixassem orgulhosos o suficiente, eles reafirmariam sua capacidade e conseguiriam extinguir esse mal estar.

E foi assim, em busca de criar algo que lhes justificasse a existência, que nosso universo nasceu. Não exatamente como hoje, é verdade, mas uma boa parte dos corpos celestes existentes hoje foi criada naquela época.

Mas, infelizmente, a “depressão” dos Reitores não parou por aqui. A influência de Belial não cessou. Ao contrário, quanto mais retoques os nossos artesãos davam no recém nascido universo, mais a incontrolável sensação de frustração lhes tomava. A obra sempre lhes parecia incompleta e imperfeita. Essa é uma lição que vocês precisam aprender de já: Não subestimem o mal, pois Belial é realmente muito poderoso!

- Esse cara ainda existe? Quero dizer, a gente pode encontrar com ele? – questionou um temeroso rapaz oriental.

- Você já o encontra todos os dias, Wan. Ele está sempre manipulando pessoas para que elas se tornem mais e mais falíveis e intolerantes. Temos que lutar contra ele todos os dias, mesmo que não o encontremos fisicamente. Porém, Belial não é um ser imaginário ou invisível. Ele existe, e respondendo de forma mais objetiva a sua pergunta, não creio que você o verá, ao vivo e a cores, alguma vez. Fique tranqüilo, pois isso é briga para cachorro grande! – diz Eric, batendo no peito.
Algumas risadas são ouvidas, e o jovem respira aliviado.

Bom, a busca dos Reitores para criar algo memorável continuou e, após um período de tempo que poderíamos contar em milhões de anos, os Reitores conseguiram finalmente conceber algo que o próprio Belial, do alto de sua malignidade, teria que admitir ser um trabalho muito bem feito.

E adivinhem qual a fantástica criação dos Reitores? Exatamente, é aí que os humanos entram na história! Convenhamos que um ser que evolui física, mental e espiritualmente e é capaz de se adaptar da forma necessária a qualquer situação retrata o que podemos chamar de um trabalho “divino”. Não fiquem convencidos, hein? – novamente risos são percebidos.

Após adaptar uma parte do universo para atender as necessidades do ser humano, pouco a pouco, vocês foram espalhados pelo mundo.

- Se bem que hoje em dia esse ambiente já não está lá muito adequado, não é, Eric? – reitera Nicole.

Sem dúvida! Mas a partir de agora, são pessoas como você, Nic, que podem fazer a diferença! Mas vamos deixar a parte de “direitos e deveres” para outro professor. Para não perdermos o fio da história, os Reitores começaram a acompanhar proximamente o desenvolvimento da sua mais recente criação. Para fazê-lo, deduziram que nada mais adequado do que assumir formas humanas. E foi o que eles fizeram.

Difundiram-se no meio dos homens e foram adorados e seguidos como os deuses que realmente são. Podemos dizer que a história da humanidade começou nesse momento e seguia de uma forma que vocês considerariam promissora: os homens pediam auxilio e conselhos a seus Deuses, que lhes atendia da forma necessária. Os Reitores, por sua vez, se sentiam coesos e seguros como no principio dos tempos.

Porém, o tempo pareceu vir provar que os períodos de paz são finitos por definição. Embora unidos, como eu mencionei anteriormente, os Reitores possuíam intelectos muito diferentes. Foi então que um problema de proporções imensuráveis começou a surgir: Os humanos não amavam seus deuses de maneira uniforme.

As pequenas rivalidades não tardaram a se tornar conflitos ideológicos intensos e acalorados. Pouco a pouco, a organizada sociedade humana começou a crescer e se rachar em seis partes distintas, cada uma com as características de um dos Reitores. Os mais antigos, que amavam os Reitores por igual, conceberam filhos e netos que aprenderam a adorar apenas a um deles, que por muitas vezes não era um Reitor adorado pelos filhos e netos do vilarejo vizinho. Não foi preciso mais que uma dezena de gerações para que conceitos e costumes totalmente contrastantes fossem se formando e, como vocês vêem, as coisas finalmente começam a ficar mais parecidas com os dias atuais!

Bom, continuando, a situação estava evidentemente fora de controle...até mesmo para os Reitores. Eles haviam feito os seres humanos imprevisíveis. Privá-los de suas capacidades criativas resolveria o problema, porém, isso findaria completamente com a principal característica humana, o que logo foi considerado fora de questão. Diante de um cenário adverso e quase irreversível, cada Reitor tentou a sua maneira colocar a recém-nascida sociedade humana nos eixos:

Mikael abandonou a Terra e foi até os limites do universo, a fim de buscar algum meio de corrigir o que ele e seus irmãos não haviam previsto. Mas, pelo pouco que sei, ele acabou encontrando percalços, embora confesse ter dificuldades de imaginar o que pode ser considerado um percalço para Mikael, e isso fez com que ele se tornasse incomunicável por um bom tempo.

Mais um aluno pede a vez para falar: - Se o problema era aqui, por que MIkael foi lá para os confins do mundo?

- Sinceramente, Miguel? – diz Eric com uma expressão de quem vai rir em breve – Não faço a mínima idéia! Assim que eu encontrá-lo, prometo que pergunto! – gargalhadas são ouvidas no auditório.

Uma vez feito o comentário sarcástico, Eric permite uma pequena dispersão entre os alunos, para em seguida retomar a seriedade no assunto:
- Brincadeiras a parte, pessoal, independentemente de nossas capacidades, todos somos limitados. Alguns detalhes realmente irão me fugir, mas posso garantir que tudo o que passo para vocês é a nossa história, e não uma fábula, ok?

Continuando com as tentativas dos Reitores, Lucian, que era dotado de oratória privilegiada, buscava reunir seus adoradores e convencê-los a pregar a união entre os seis povos. Embora alguns tenham se unido com o gesto, a maioria continuava a mobilizar conflitos quando não estavam em sua presença, e esses se apresentavam cada vez mais acalorados e irracionais.

Em audaz tentativa, o Andarilho lançou-se no próprio tempo, viajando a um futuro onde não era mais conhecido. O intuito era genuinamente bom: reeducar os humanos, apresentando-se não como o Deus que era, mas sim como um filho dele, assim como todos os demais humanos, colocando-se como um par e não como um superior. Tentou lhes explicar que todos poderiam ser livres e capazes como ele, e que essas capacidades só estariam limitadas a fé de cada ser.
Infelizmente o ódio no coração dos homens já havia chegado a níveis imensuráveis e, além de não o ouvirem como ele esperava, ainda quiseram puni-lo segundo suas próprias leis locais.

Rá, tido entre seus irmãos como o maior sábio da criação, surpreendentemente permaneceu apenas como observador das vãs tentativas de seus irmãos. Eva, também permaneceu passiva, cumprindo uma vez mais seu intento de não influenciar no desenvolvimento da história humana.

Alexandre, ao ver todas as tentativas se frustrarem, percebeu o erro que os Reitores cometeram: Acreditar que paz plena contentaria os humanos era um engano. Não foi o amor pelos Reitores que separou os humanos. A própria natureza humana o fez. O sangue na veia humana fervia na vontade de se opor, confrontar...guerrear. Ao compartilhar de sua idéia com Lucian, Alexandre ganhou um aliado. Era visível que os humanos não estavam mais suportando as diferenças. Não tardaria até que um dos seis lados tentasse opor a sua vontade perante outro de forma definitiva.

A solução encontrada parecia perfeita: Criar um inimigo comum aos seis povos, alguém que todos odiariam. Com certeza os povos se uniriam contra essa ameaça, e todos os Reitores juntos participariam dessa vitória. E após a batalha, os povos unidos celebrariam o triunfo sobre o inimigo em comum, reforçando a divindade dos seis Reitores perante os povos.

Foi então que com a vontade de Alexandre e Lucian, Lucas foi criado. Uma dúvida que pode lhes ocorrer é: Como eles dois criaram Lucas sem o consentimento dos outros? – viu-se que alguns alunos que fariam a pergunta concordaram com a cabeça, aguardando a explicação – Pois eu lhes lembro, para que um Reitor faça algo é preciso a permissão ou a abstenção dos demais irmãos.

Até hoje não sei em que situação Mikael estava que possa tê-lo impedido de “votar contra”, se é que ele iria votar contra. Eva sempre teve por principio não tomar partido de nada, por motivos que podemos explicar melhor em outro momento. Rá, mantendo a postura anterior, não se envolveu na decisão. O Andarilho, devido a detalhes bem complexos envolvendo sua tentativa de salvar a humanidade, estava incapacitado de intervir.

Logo, estava feito, e podemos dizer que o intelecto de Lucas foi caprichosamente trabalhado: Um ser vil, impiedoso e sem o mínimo apego a conceitos que hoje chamamos de honra e justiça. O fim de qualquer humano que cruzasse seu caminho seria rápido e trágico.

O plano caminhava bem, até que...bem...lembram do Belial? Pois é, ele esteve quieto por um bom tempo, até que essa oportunidade de ouro surgiu. Lucas não seria frágil como um humano, mas seu poder não faria jamais par ao de um Reitor. Logo, a encenação de proporções colossais que os Reitores elaboraram não tinha a menor chance de fugir do controle, ao menos na visão deles.

No momento em que Lucas era concebido, onde um desgaste extremo foi exigido de Alexandre e Lucian, Belial decidiu que era o momento de agir: O maligno irmão mais velho concedeu uma parcela de seu próprio poder à Lucas, elevando o poder do futuro inimigo da humanidade ao de um Reitor.

Com esse ato de tamanha esforço, Belial não conseguiu mais se esconder de seus irmãos, porém, sua criação estava pronta. Assim que Belial se revelou, os Reitores conseguiram finalmente banir sua influencia maligna de suas mentes. Com isso, um dos problemas foi resolvido.

- Agora sou eu que não entendi - afirma outro aluno - o que importa se esse Lucas tem o poder de um Reitor? Eles são seis! Esse Lucas já nasceu morto!

- E é aí que você se engana! – retruca Eric - Com Lucas o problema era outro. Existe uma característica muito importante em todas as criações dos Reitores, que creio ser importante ressaltar agora. Os Reitores tem um vínculo com suas obras, que são na verdade, parte deles.

Embora Lucas tivesse adquirido uma parcela do poder de Belial, ele foi criado por Alexandre e Lucian. Logo, como seu poder fazia par aos outros Reitores, ele não teve problemas em compartilhar seu intelecto com os seus irmãos mais velhos.

Instantaneamente, a natureza vil e desprovida de virtudes de Lucas começou a influenciar o comportamento dos demais Reitores. Ao invés de repudiar um ser tão maligno, os demais Reitores o entendiam, pois em essência, ao menos em parte, agora também eram como ele.

Lucas, por sua vez, também foi tocado pela serenidade e retidão de seus irmãos, porém era tão intenso o ódio que carregava consigo que os únicos bons que era visto em seus atos eram raros momentos de misericordia.

O tempo foi passando e, devido a frieza que Lucas adicionou os Reitores começaram a deixar os humanos cada vez mais à própria sorte. Encontrá-los se tornava uma missão cada vez mais difícil, onde verdadeiras caravanas se formavam para visitar o local onde um deles teria feito uma breve aparição. Sem seus Deuses para ampará-los, os seis povos visivelmente rumavam ao fim. Ao perceberem isso, em um lampejo de misericórdia, os Reitores decidiram criar representantes para cuidar de sua criação.

A esses representantes, denominados Arautos, foi delegado o controle de tudo que há no universo: o fogo, o água, a morte, a vida...tudo, afinal.

Não vou mencionar aqui quem são todos os Arautos e quais suas áreas, pois não é relevante para a história. O importante é dizer que os Arautos administraram o caos. Pouco a pouco, a ordem foi retornando ao mundo, e se os Arautos não conseguiram unir os povos, ao menos eles conseguiram organizá-los.

Existem algumas teorias sobre o porquê dos Arautos terem sido mais bem sucedidos que os Reitores. Na minha humilde opinião, o principal motivo para o sucesso dos Arautos foi o método utilizado. Enquanto os Reitores centralizavam todas as decisões, os Arautos compartilhavam seu poder com escolhidos humanos, que por sua vez começaram a espalhar sua doutrina pelos povos. Como os Arautos eram extremamente criteriosos na escolha de seus assistentes, com o passar dos séculos, a ordem foi se instaurando.

Esses escolhidos foram chamados de Dominantes, e é isso que vocês são hoje, assim como muitos outros que estão espalhados pelo mundo nesse momento. Vocês foram escolhidos por nós, Arautos, para nos auxiliar na manutenção da ordem no mundo. E é a partir de agora que o bem e o mal deixam de ser subjetivos para vocês e passam a ser palpáveis.

Eu sou o Arauto responsável pelos Humanos, e faz parte do meu domínio zelar por toda a criatividade e pelo conhecimento que compõe a Humanidade. Com certeza ainda vamos nos ver muito, e quero que saibam que eu sempre olharei por vocês.

Bom, da minha parte é isso. Aguardem aqui, pois um outro Arauto virá esclarecer outras dúvidas, e lhes passar outras informações. Que a sorte lhes acompanhe e tenham todos uma boa noite.

Uma extensa e ruidosa salva de palmas acompanhou o Arauto dos Humanos, que lentamente saiu da sala, deixando os curiosos Dominantes em uma ansiosa espera pela próxima aula.


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