Capítulo 4: A breve história de Christopher Kenson
(Nota do autor: Os acontecimentos desse capítulo se passam na madrugada que precede a visita do detetive Marcos à sede da Vobcom)
A viagem à São Paulo foi rápida e tranqüila. Chris, como prefere ser chamado, já se encontrava (quase) conformado com o determinismo súbito que pôs fim a suas "férias". "Livre arbítrio, ela disse. Livre arbítrio uma ova! Agora esse povo não sai do meu pé!" - resmungou mentalmente. O único sinal visível de sua lamentação foi um leve bufar, fazendo com que sua discreta franja se elevasse, para em seguida voltar a posição original.
Como já eram quase três da madrugada, pode fazer algo que adorava: Comprar o jornal que seria comercializado na manhã seguinte. Saindo da revistaria, colocou-o junto de suas bagagens, pensando que seria melhor se hospedar por aquela noite em um hotel perto do aeroporto. Afinal, estava a menos de vinte minutos do local de trabalho do detetive - ao menos um dos papéis que trazia lhe indicava isso - e não teria como falar com ele nesse momento, de qualquer maneira.
Chegando ao hotel escolhido, Chris não conseguiu dormir. Sempre teve essa dificuldade. Quando não tinha nenhum problema para resolver, dormia como um urso no inverno, mas era simplesmente incapaz de relaxar se não sabia como agir no dia seguinte. Decidido a acabar com o incomodo, reuniu todos os documentos que tinha e começou a ordená-los da forma que lhe pareceu mais lógica: três montes. Um para cada ordem dada por Ingram.
Decidiu reler a carta, para não cometer equívocos. Na verdade, não se lembrava de praticamente nada do que lera anteriormente. Só não esqueceu da primeira parte, que lhe irritou profundamente mais uma vez.
[Você está em dívida comigo. E preciso que pague agora. As minhas ordens seguem abaixo].
"Eu estou em dívida? Ele só pode estar de brincadeira, né?"
Dívida. Dever. Chris não conseguiu evitar a lembrança de como era o seu dia a dia antes dessas palavras entrarem em sua vida. Claro que se dependesse de Alexander Kenson, seu pai, ele ainda seria um zero a esquerda. Chris vivia em um verdadeiro ciclo de ódio com seu "velho".
Se pedissem para Chris descrever como foi sua vida dos 0 aos 22 anos de vida, ele com certeza resumiria dizendo algo como "já vi animais de estimação mais amados do que eu fui". Chris sempre achou que o fato de sua mãe ter morrido pouco depois de seu nascimento fez sua presença se tornar indesejada no lar dos Kenson. Sempre achou essa teoria meio clichê, mas como nunca teve coragem de arremessá-la na cara do pai, preferia viver com ela como uma companheira de guerra.
A vingança silenciosa do filho contra o pai se fazia no dinheiro: Chris gastava tudo o que podia, mesmo com o que nem mesmo queria, apenas para demonstrar ao seu pai que não valorizava o seu esforço em ganhar aquele dinheiro. O pai, por sua vez, cansou da brincadeira. Retirou o nome de Chris de seu testamento, e para piorar deixou o jovem rebelde sem um tostão no bolso, fazendo com que se sujeitasse a ele em tudo o que fazia.
Ironicamente, dois anos mais tarde, tudo melhorou com a morte de seu avô. Mesmo com a reprovação de seu pai, nada pode ser feito. A herança do vovô Kenson fez de Chris um homem rico. Não estupidamente rico, mas, se não exagerasse, passaria a vida inteira sem nem precisar olhar para a conta bancária.
Foi aí que Christopher Kenson realmente descobriu o que era uma vida sem limites. Viagens ao redor do mundo. Noites e mais noites de festas intermináveis. Jogos. Mulheres. Tudo. Um paraíso na terra.
Até que Chris conheceu ele. Ou ela. Ele não sabia definir ao certo, mas preferia achar que era "ela". Ela lhe deu um propósito. Lhe explicou o que deveria ser feito. Lhe mostrou um mundo que ele nem imaginava que existia. Não houve dúvida ou hesitação. Ele aceitou. Na maioria das vezes, ele se sente muito feliz com a sua decisão. Mas em momentos como esse, em que tem de trabalhar obrigado, esse contentamento é quase esquecido.
[Localize Leonard Opef. Ele agiu contra a minha vontade e deve ser impedido. Faça o que for preciso].
“Essa parte tudo bem” – pensou. Christopher separou as fotos da fachada do prédio onde Leonard residia, bem como o endereço e rotas para chegar até o local. Para sua sorte, Chris conhecia São Paulo razoavelmente bem, principalmente a região central, onde o apartamento se localizava. As diversas fotos que possuía do homem que procurava lhe permitiriam identifica-lo sem problemas, embora ele já se lembrasse de ter visto aquele semblante rude em outras oportunidades.
“Eu me lembro desse cara. É o alemão que sentou ao meu lado na última assembléia”. - Chris passou praticamente toda aquela tarde falando com o homem da foto. Ele lhe pareceu um pouco “sério demais”, mas extremamente correto. Não conseguia pensar em alguma justificativa para que ele tivesse pirado daquela forma.
“E se ele encrespar comigo? Será que eu consigo convencê-lo a parar sem partir para as vias de fato?” – Chris sabia que, assim como muitas outras coisas em sua vida, só o destino diria o que precisaria ser feito.
[Informe-o que ele não é mais o guardião do bracelete. Agora você o é. Ele deve entregá-lo a você].
“Essa vai complicar” – Aquele bracelete é praticamente parte do que Leonard é. No pouco tempo que passaram juntos, ele o vira se gabar de ser o portador do bracelete pelo menos por três vezes. Ele não esperava que Leonard aceitasse entregar o bracelete de bom grado. Alguma frase como “se você me vencer, pode ficar com ele” era realmente o mais esperado. Chris preferia não pensar nisso agora. Essas situações eram sempre resolvidas de improviso.
[Localize o detetive Marcos Alcântara. Ajude-o, e ele o ajudará a chegar até Leonard. Assim que os desígnios acima tenham sido cumpridos, traga o detetive a minha presença].
“Ops! Tem coisa errada aqui! Por que eu precisaria da ajuda do detetive se eu tenho o endereço e a foto do sujeito?” – Chris se perguntou, mas já sabia a resposta. Ele não iria encontrar a pessoa que procurava em um sofá, assistindo tv, com uma pizza e uma cerveja nas mãos. A história com certeza já estava bem mais complicada, e seria preciso muito mais do que meia dúzia de neurônios para resolver a charada. “Eles nunca me chamam para tirar gatinhos de árvores...”.
Chegando a conclusão de que não havia muito mais o que planejar, Chris se consolou decidindo que seu primeiro passo na manhã seguinte seria procurar o detetive Marcos, e tentar descobrir o que ele sabia sobre Leonard.
Ainda sem sono, finalmente se viu em condições confortáveis para ler o seu jornal, que só chegaria na manhã seguinte nas mãos da maioria das pessoas. Após pouco mais de vinte minutos de leitura (pois Chris não folheava o jornal, ele realmente o lia), não pode conter a boca:
- Puta que pariu! – disse, arregalando os olhos enquanto acabava de ler a noticia.
A manchete não figurou na primeira página, nem mesmo na segunda, mas ganhou um espaço considerável na seção policial.
“...o empresário, identificado pela perícia como Mason Roberts Hewey, foi encontrado morto em seu chalé, em Campos do Jordão. O executivo fazia parte do corpo diretivo da Vobcom, multinacional do ramo de telecomunicações. Segundo relatos, o corpo do empresário foi encontrado em estado de carbonização. A polícia não divulgou maiores detalhes sobre como o empresário sofreu as queimaduras e aparentemente não tem pistas de quem poderia ter cometido o crime...”
Chris não precisava saber como o tal cara se queimou. Ele sabia. Ele não precisava saber se foi um crime realmente. Foi um crime, e ele agora só precisava saber quem o cometera. A noite de paz se foi. Mantendo o traje social (porém sem a gravata) e trocando apenas os sapatos por um par de tênis pretos, o preguiçoso enviado de Ingram seguiu para Campos do Jordão.